02 outubro, 2009

Luz interior



Todo o meu dia foi excessivo. Levantei-me excessivamente cedo (ainda que à hora habitual), a manhã foi excessivamente pouco produtiva e o almoço da empresa excessivamente parecido a um funeral. Do excesso de coloração no cabelo do provável novo director nacional ao provável excesso de peso da mensagem final do director regional que no almoço faria a sua despedida, tudo me indicava que deveria consumir vinho em excesso.

Confirmou-se.

Fiz bem.

Durante o almoço, o colega em frente sentado revelou que havia sido despedido ao início da manhã. Responsável pelos recursos humanos até ali, aceitara ficar algumas semanas mais em funções de forma a colaborar, dando o toque humano possível, no despedimento iminente de vários outros colegas e amigos…

O discurso final confirmou os rumores de redução de pessoal e deslocalização da gerência da empresa por exigência da redução de custos. Foi feito num tom acusatório, mencionando a má gestão dos últimos anos por parte dos seus colegas gestores, lavando roupa suja num almoço de boas-vindas (fora convocado para apresentar o seu substituto) , um almoço que antes devia ter sido uma simples reunião mas que assim terminou num imenso silencio consternado, prenúncio do final da empresa como a conhecemos em Portugal. Na próxima semana os colaboradores serão abordados, um por um, com propostas de rescisão ou alteração de local de trabalho. Alguns colegas mais velhos já assistiram a processo semelhante, na década passada, pelo que assistem preocupados a mais uma mudança sem atenção ao capital humano e ao conhecimento e formação acumulados, agora prestes a pulverizar-se...

O meu sentimento não é tanto de revolta, frustração ou qualquer tristeza. É antes um misto de culpa própria (por me ter deixado ficar e estar por isso a assistir a esta derrocada) e incredulidade pela completa ausência de estratégia local. Custa-me saber que pessoas empenhadas perderão o emprego nos próximos dias mas quero ter a presença de espírito para entender e aceitar que a estratégia global de uma multinacional passa por este tipo de ‘cataclismos localizados’.

No final da tarde houve tempo ainda para uma conversa com uma colega cujo despedimento lhe havia sido proposto há dois meses, altura em que já sabia estar grávida mas não o tinha comunicado oficialmente… com os olhos rasos de água, lamentava a falta de humanidade e não saber onde seria o seu local de trabalho nos próximos tempos, incerteza com que não queria lidar dado o seu crescente estado de gravidez…

Quero acreditar que os colegas e amigos que venham a enfrentar uma situação difícil tenham luz interior suficiente para encontrar novo caminho. Autoconfiança. Não faz sentido procurar culpados, não faz sentido ter pena. Acredito que cada um aprenderá algo de útil com a situação. Em novo cenário, nova empresa, decidirão se darão de si mais ou menos, se o empenho fará sentido e em que momentos e, sobretudo, como melhor direccionar as suas expectativas.

Acredito.